14 de outubro de 2011

Rock in Rio em casa

Revista Monet 102 - Setembro 2011

Por Itaici Brunetti Perez

Nossa reportagem foi atrás de personagens de edições anteriores para contar as histórias do mais importante evento do showbiz nacional, que finalmente vai voltar às origens neste mês

O velho ditado continua certo como nunca – “O bom filho à casa torna” – e o Rock in Rio, um dos maiores festivais musicais do mundo, cumpriu o dito popular. Depois de passear por terras europeias nos últimos dez anos, com edições em Lisboa (Portugal) e Madri (Espanha), o festival de criação 100% brasileira retorna neste mês ao seu país (e cidade) de origem para celebrar sua edição mais ambiciosa até o momento. Mas muita água rolou por baixo desse palco até chegarmos a 2011. 
Elaborada pelo empresário brasileiro Roberto Medina no início da década de 1980 e embasada num mote sustentável e social (“Por um mundo melhor”), a ideia de o Rio de Janeiro comportar um festival de música com vários dias em sua programação e trazendo atrações nacionais e internacionais parecia loucura. Posta em prática, fez nascer uma marca que entrou para a história do entretenimento mundial e que colocou o Brasil no roteiro de shows de artistas internacionais. Além de movimentar consideravelmente o turismo e a economia da cidade.
Sua primeira edição aconteceu em janeiro de 1985, na chamada Cidade do Rock, construída em Jacarepaguá propriamente para o evento. A estreia do ousado espetáculo de Medina contou com o apoio de 28 bandas em dez dias de festival. Ozzy Osbourne, B-52, Rod Stewart, AC/DC e Queen, artistas que até então só tinham sido ouvidos em discos pelos brasileiros, vieram pela primeira vez ao país. Era o sonho se realizando.
A cantora paraibana Elba Ramalho, que se apresentou no festival em 1985, 1991 e 2001, relembra como era a expectativa da novidade: “Admito que não tinha a real dimensão do evento, mas percebíamos que ia ser importante. A ficha só caiu mesmo na semana do show, quando fui ao meu camarim e vi o Gilberto Gil batendo papo com o James Taylor”. George Israel, saxofonista do grupo Kid Abelha, que se apresenta solo na edição 2011 ao lado da banda Os Roncadores, relembra, nostálgico: “O Rock in Rio detonou uma consciência de que o Brasil tinha muito espaço para grandes shows e festivais de rock e que o público existia. Na época, tínhamos um atraso muito grande em relação a shows internacionais e ficamos animados por ver quem estava vindo de fora, por sentir que era uma produção especial, bem diferente do que estávamos acostumados. Além de me apresentar com o Kid Abelha, me lembro de ter visto todos os shows e almoçado com meus ídolos. Foi uma grande curtição. Éramos atração e fãs ao mesmo tempo”.
Para Dinho Ouro Preto, vocalista da banda brasiliense Capital Inicial, o ano não foi de muita sorte. “Eu fiquei mal porque adorava o Queen e o AC/DC, e estava sem dinheiro para ir assisti-los. E mesmo assim minha namorada foi sem mim [risos]”, brinca o cantor, que na época mal sabia que sua banda iria ser convidada para se apresentar em todas as outras futuras edições nacionais como uma das atrações principais. 


 
A EPOPEIA CONTINUA – A cria de Medina foi tomando novas proporções e se mudou para o Maracanã em janeiro de 1991, na segunda edição, onde ofereceu ao público 44 shows em nove dias. Guns n’ Roses, Prince, A-Ha e Faith No More foram alguns dos inéditos da vez. Roberta Medina, filha de Roberto Medina, empresária, produtora de eventos e hoje em dia uma das cabeças por trás do Rock in Rio, se recorda: “Na época eu tinha apenas 12 anos e estava lá como fã. Queria muito ver o New Kids On The Block, passear pelos camarins, mas, claro, sem ter noção alguma de como era trabalhar com produção.”
Elba também possui boas lembranças: “Me apresentei na mesma noite que o Prince, e tinha uma banda, a Happy Mondays, que teve problemas com os instrumentos em cima da hora e me pediram para aumentar o meu show em mais 35 minutos. Claro que adorei e coloquei todo mundo para dançar forró e frevo.” INXS, Sepultura e Guns n’ Roses também detonaram, diz Dinho. “Eles estavam no auge”, comenta o cantor.
Com atraso de dez anos e recebendo muita cobrança dos brasileiros, a terceira edição aconteceu novamente na reconstruída Cidade do Rock em 2001. Foram 160 shows em nove dias, onde R.E.M., Neil Young, Foo Fighters, N’Sync e Britney Spears fizeram a alegria dos fãs. “Só estando lá você percebe a grandiosidade do festival, do local. Foi legal ver o tipo de organização e tocar com aparelhagem de linha para 300 mil pessoas. Não estamos acostumados com esse mar de gente”, disse Roger Moreira, vocalista e guitarrista da paulistana Ultraje a Rigor, que se apresentou em dobradinha com a vizinha de bairro Ira!

ONDE ESTÁ O ROCK? – Neste ano, o Rock in Rio chega “causando” (no bom sentido da palavra). O festival acontece nos dias 23, 24, 25, 29 e 30 de setembro e 1º e 2 de outubro no Parque Olímpico Cidade do Rock, na Barra da Tijuca, e já é sucesso de bilheteria. Bateu recorde de vendas quando seus ingressos se esgotaram em apenas quatro dias, obrigando a produção a abrir um dia extra com novas atrações. “Diferentemente do que acontece no exterior, o Rock in Rio no Brasil marca uma geração. Ele tem um valor emocional muito maior aqui. Fora do país, ele chegou como um produto que precisou conquistar o seu mercado, e aqui o público se sente meio que ‘proprietário’ do Festival.
É esse tipo de relação que temos com o público”, comenta Roberta, que complementa: “Até a cobrança em cima de nós mesmos aqui no Brasil é maior. Temos a responsabilidade de atender às expectativas do público. Tudo aqui é maior, e não só a questão da dimensão do lugar. Não é à toa que teve esse impacto todo sobre a venda dos ingressos.”
Outro fator polêmico presente em qualquer roda de comentários sobre o festival é a extensa variedade de artistas de todos os gêneros musicais que pisam no palco do rock. Dinho Ouro Preto reflete sobre como seria seu mundo perfeito: “Nele, esse espaço seria reservado apenas para as bandas de rock. Afinal, o nome já diz que é uma celebração ‘nossa’. Mas o Brasil é um país peculiar e muita gente que ouve rock também se interessa por outros estilos. A peculiaridade da musicalidade brasileira é ela ser multifacetada, e o festival confirma que um estilo como o rock, que não é nato brasileiro, faz parte da nossa cultura também. O Rock in Rio é a celebração do caleidoscópio cultural brasileiro, e está para o rock no Brasil como a Marquês de Sapucaí está para o samba. É a cara do nosso país! Se fosse nos Estados Unidos ou na Europa, só teria rock”. Roberta finaliza: “Desde a primeira edição, nunca teve só um único estilo. O ‘rock’ que está no nome do festival tem mais a ver com o espírito jovem, irreverente, empreendedor, e de diversão, acima de tudo. As pessoas estão ali pela música e pela experiência. Tem para todos os gostos.”
Independentemente dos estilos e gostos musicais, o evento reaparece em 2011, só que mais maduro, experiente, exigente e maior. Esse é o Rock in Rio,
que, assim como todo filho, é criado para o mundo, mas no fundo é nosso.



O que rolou...

Alguns artistas que passaram pelo festival não saíram dele sem antes deixar muitas histórias para contar

1985
James Taylor veio ao Brasil decidido a dar fim em sua carreira artística, mas se emocionou tanto com o público brasileiro que obteve inspiração para vários hits, entre eles o “Only a Dream in Rio”. Já durante o show de Ozzy Osbourne, uma das atrações mais esperadas pelos roqueiros, uma galinha foi jogada no palco, mas, em vez de mordê-la, como era esperado, o cantor apenas entregou-a para os roadies e garantiu a canja.

1991
Lobão foi guerreiro ao se apresentar depois do curto show do Sepultura. Pegou uma plateia sedenta por rock pesado e travou uma batalha onde as armas eram vaias, copos e garrafas de plástico. Para se defender, usou um capacete de guerra e levou ao palco a bateria da escola de samba da Mangueira. Shaun Ryder, líder dos ingleses Happy Mondays, expoentes do movimento musical de Manchester, prometeu trazer uma montanha de tabletes de ecstasy ao Brasil e enlouquecer todo mundo, mas desistiu na última hora, com medo de conhecer as prisões daqui.

2001
Um dia antes do show do Queens of the Stone Age, o baixista Nick Oliveri visitou um ensaio de escola de samba. Para homenagear a quantidade de pouca roupa que viu, resolveu subir ao palco do jeito que veio ao mundo, apenas vestido com seu contrabaixo. Resultado: foi direto pra cadeia depois da apresentação. Cássia Eller foi outra que resolveu mostrar um pouco de pele. Em uma de suas últimas apresentações, a cantora se empolgou durante a versão de “Come Together”, dos Beatles, e levantou a blusa, revelando que estava sem sutiã.

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