17 de agosto de 2011

Coletando tudo

Revista Monet 82 - Janeiro 2010

por Itaici Brunetti Perez




O baiano mais exótico de Irará – e da música brasileira – dá detalhes do show que passa a limpo sua carreira e é exibido com exclusividade pelo Canal Brasil

Como surgiu a ideia de fazer um show com músicas de toda a carreira?

Na verdade, o grande responsável, que enfrentou diversas frentes de trabalho, foi o titã Charles Gavin. Ele consultou a gente e lutou para conseguir cúmplices, como o próprio Canal Brasil e a gravadora. Também escalou toda a equipe técnica e me ajudou a escolher o repertório, porque no princípio era um mundo infinito de músicas, que foram reduzidas até ficar na quantidade certa.


Como foi o processo para montar o roteiro do show?

Eu tive quase duas semanas de ensaio com a minha banda, pois quase 60% do repertório não era tocado normalmente. Foi um show imensamente estranho pra mim, porque nunca fiz um concerto com mais de uma hora e meia de duração. Só faço shows de 50 minutos, e este teve cerca de duas horas.


E como foi a reação do público? 

Eu ficava admirado como o público aguentava. Sempre brinco: “Vá ao meu show porque vai acabar cedo, antes de você ter vontade de fazer xixi”. Mas como era um acontecimento tão variado, tão diferente, a plateia se segurou lá heroicamente.


Chegaram a pedir músicas que não estavam no repertório?

Para surpresa minha, a plateia pediu uma canção chamada “O Abacaxi de Irará”, que é muito simples, feita em cima da pedra. Nunca cantava essa música, e agora, especialmente para o show, fiz um arranjo para poder me desculpar de uma coisa tão simplória.


As músicas escolhidas foram por gosto pessoal ou prevaleceram as icônicas?

No princípio, a preocupação era que todos os discos tivessem alguma coisa representada no show. Depois fechamos mais os braços, para só escolher aquelas que eu achava importantes, e também algumas que foram cabeça de ponte do disco tal para o disco tal. Eu queria dar um underline, grifar embaixo mesmo.


No processo de reouvir as músicas, você deparou com alguma surpresa? Foi surpreendido por você mesmo?

Sim, isso já tinha me acontecido algumas vezes. Quando eu gravei “São Paulo, Meu Amor” [do disco Tom Zé, de 1968], tinha até medo de ouvir durante um longo tempo. No dia em que fui conferir de novo, disse: “Nossa Senhora, que coisa curiosa esses arranjos”. Depois aconteceu o mesmo com “Correio da Estação do Brás”, quando o próprio Gavin selecionou na série Dois Momentos. Nós ouvimos aqui no estúdio e foi como aquela expressão francesa: déjà vu. Uma coisa provocada pela eficiência do trabalho anterior, e parecia como um tipo de força que causava interesse e me surpreendia. E, dentre todas as reavaliações, a mais incrível foi o problema de um disco que eu tinha como fraco, Se o Caso é Chorar, porque me lembro que compus cada música como uma tentativa para tocar no rádio. Todas as peças da canção que dá nome ao disco foram montadas como um plágio. A harmonia é do “Estudo nº 2”, de Chopin; a letra da primeira parte plagia Antônio Carlos e Jocafi; e a segunda parte é parceria com o Perna, plágio dos Beatles e dos Rolling Stones. Quando começa a repetição, a linha é uma colagem de várias músicas de sucesso, como “Hoje Quem Paga Sou Eu”, um tango que Nelson Gonçalves cantava. E agora, quando eu mostro aos outros no show, eu faço a demonstração dessa construção, não faço a canção.


Em entrevista à revista Rolling Stone, você cita que mesmo tendo estudado música na universidade, afirma ser um artista “analfabeto”. Depois de rever a carreira e todo o seu valor, qual sua opinião?

A palavra não é analfabeto, é analfatóteles. Nós fomos educados em um mundo culturalmente muito sofisticado e não aristotélico. O mundo da concepção da cultura moçárabe, que era muito consistente e presente na vida simples do povo do Nordeste. Por exemplo, os cantadores de rua, de improviso, têm uma espécie de tábua de matérias que obrigatoriamente eles têm que conhecer, e uma delas é a “Saga de Roland”, que é uma coisa que nem na França tem essa popularidade, já que o herói é uma coisa francesa do reinado de Carlos Magno, e que no Nordeste é chamado de “Roldão”... Meu Deus, eu passo a vida lembrando dessas coisas e lendo. Enfim, eu estava dizendo isso por quê? Ah, sim, eu sou um péssimo cantor, compositor e instrumentista, e isso é verdade. Claro que se você passa a sua vida toda gravando, aprende a tirar do microfone um pouco mais de resultado e consegue conviver com uma voz que não é propriamente a de um canário.

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