19 de agosto de 2011

Os inimigos do Capitão Nascimento

Revista Monet 101 - Agosto 2011

por Itaici Brunetti Perez e Marina Jankauskas

ilustração André Felix



Lugar de bandido é no cinema. Produções como 400 Contra 1 e Inversão vão fundo em histórias do submundo e remontam uma antiga tradição do cinema brasileiro

Maio de 2006 ficou marcado como o mês que recebeu a maior onda de ataques criminosos a um Estado da federação. Foi quando o Primeiro Comando da Capital (PCC) paralisou São Paulo e demais cidades à sua volta, espalhando o medo entre a população e abrindo ainda mais os olhos do brasileiro diante do crime organizado. O cinema aproveitou esse despertar do público para contar mais de perto essa história do mocinho contra o bandido. Quer dizer, nos casos que vamos ver a seguir, do bandido contra o mocinho.
Caco Souza, diretor de 400 Contra 1 – Uma História do Crime Organizado, viajou no tempo e foi ao ovo da serpente em seu primeiro longa-metragem, quando decidiu retratar a formação de outra grande organização criminosa, o Comando Vermelho. A facção, que controla as principais favelas do Rio de Janeiro, teve seu início na época da Ditadura Militar, no chamado Caldeirão do Inferno, o presídio de Ilha Grande. Foi lá que William da Silva Lima (interpretado por Daniel de Oliveira) e seus companheiros foram trancafiados junto com presos políticos e começaram a se organizar para resistir àquela situação. Foi assim que surgiu o chamado CV, com o slogan de “Paz, Justiça e Liberdade”. O diretor sabia que estava mexendo em um tema polêmico: “Era uma coisa que as pessoas não gostam de ouvir, mas se você não falar sobre isso [o crime organizado], e não colocar esse assunto em pauta, não significa que ele não exista”.
Apesar de controverso, o filme segue uma longa tradição de filmes nacionais que exploram o gênero policial. “O crime é um gênero que o cinema incorporou de uma forma muito forte. Não só o brasileiro, mas o cinema internacional como um todo. Aqui, a indústria cinematográfica tem se estruturado cada vez mais como cinema de gênero, e filmes policiais talvez sejam os mais fortes nesse sentido”, explica o professor Reinaldo Cardenuto, da Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP).
Um especialista no tema é o jornalista Carlos Amorim, que escreveu a trilogia literária Comando Vermelho – A História Secreta do Crime Organizado, CV–PCC – A Irmandade do Crime e Assalto ao Poder. Para ele, o cinema é o espelho da realidade: “Os filmes do Zé Padilha [Tropa de Elite 1 e 2] estiveram muito próximos da vida real. Vários outros, como Cidade de Deus, Última Parada 174, Quase Irmãos e 400 Contra 1, retrataram aspectos, cortes, do mundo real. No todo, são uma importante contribuição para o esclarecimento da audiência. Em cada uma dessas produções a gente vê um pedaço do Brasil”. 
Realmente, para muitas pessoas, o que está sendo traduzido para as telas não faz parte somente da ficção. “Alguns presenciam isso nos bairros onde vivem e outros porque frequentemente ouvem falar ou acompanham as notícias da mídia”, esclarece o professor Sérgio Adorno, sociólogo e membro do Núcleo de Estudos da Violência da USP. A proximidade e a identificação que os filmes geram no público são alguns dos motivos pelos quais o gênero policial é tão popular. Mas não são os únicos. Os confrontos entre personagens sempre representaram um aspecto atraente para o telespectador. “O próprio fato de que é uma dramaturgia de aventura, que apela para a violência, que tem confrontos entre heróis e vilões, tudo isso se torna muito atrativo como espetáculo para esse espectador”, completa o professor Cardenuto. 
Ultimamente, no entanto, os heróis não têm lá um caráter muito bem definido. No cinema brasileiro contemporâneo nada é tão simples quanto parece: policiais são corruptos e bandidos não são simplesmente sujeitos do mal. “Na verdade, ninguém é tão do mal e ninguém é tão do bem”, aponta Edu Felistoque, produtor executivo do 400 Contra 1 e diretor do filme Inversão. O próprio título de seu longa procura mostrar que os valores do mundo estão “de ponta-cabeça”. Segundo o autor, existe uma indústria cinematográfica que consome rapidamente Bonnie & Clyde, que são os “bandidos bacanas”, e tantos outros por quem o público acaba se apaixonando. Apesar disso, a glamourização do mau-caráter é justamente a maior crítica aos filmes sobre o crime que humanizam o bandido. “Ao contrário do que se imagina, a gente não está fazendo apologia do crime, ou do próprio William. Eu acho que ninguém sai do cinema achando que ele é bacana, que é um exemplo a ser seguido”, defende Caco.
Apesar da posição polêmica e das críticas, os filmes sobre criminosos estão em alta no Brasil. Os grandes sucessos de bilheteria do gênero e lançamentos de peso, como o recente Assalto ao Banco Central, de Marcos Paulo, são provas disso. No que diz respeito à recepção do público, os bandidos devem continuar “tocando o terror” nas telas. Te cuida, Capitão Nascimento!  

400 contra 1 dia 29, segunda, 22H, Canal Brasil, 66
Inversão dia 15, segunda, 22H, Canal Brasil, 66



Eles roubaram a cena! - Diversos tipos de bandidos fizeram história na ficção do cinema e na realidade da criminalidade nacional

O não-confiável
Baseado em fatos reais, Assalto ao Trem Pagador (1962) mostra que não se pode confiar em bandidos. Grilo (Reginaldo Faria) foi um exemplo e traiu a confiança dos amigos de quadrilha gastando o dinheiro antes da hora.

O iluminado
Jorge, vivido pelo ator Paulo Villaça e apelidado de Bandido da Luz Vermelha é inspirado num dos mais famosos bandidos do noticiário policial. No filme de 1968, o assaltante seduz suas vítimas sempre auxiliado por sua lanterninha inseparável.

O pioneiro
Em Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia (1977), o bandido que deu o nome ao longa foi um dos primeiros a se unir a policiais corruptos. A cada assalto a banco que realizava, ele dava uma parte aos oficiais, o que garantia suas fugas recorrentes.

O cruel
“Dadinho é o caralho, meu nome agora é Zé Pequeno!” Essa frase do filme Cidade de Deus (2002) foi imortalizada no cinema brasileiro e traduz o comportamento de seu autor: um bandido com fortes traços de crueldade e que impõe o terror a toda a comunidade.

Os condenados 
Carandiru (2003) relata o cotidiano de alguns personagens que foram presos por pequenos delitos, mas que viveram a dura realidade do extinto presídio, sendo que alguns não escaparam do massacre comandado pela PM em 1992.

O farsante 
Marcelo Nascimento da Rocha foi filho do dono da Gol, guitarrista do Engenheiros do Hawaii, líder do PCC e outras dezenas de identidades falsas. Quem assume sua identidade é Wagner Moura em VIPs (2010), filme que retrata todas as mentiras desse 171.

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