17 de agosto de 2011

Própria história

Revista Monet 87 - Maio 2010

por Itaici Brunetti Perez




Em Tempos de Paz, o ator Dan Stulbach veste novamente a roupa do personagem que o consagrou em cima dos palcos e que está ligado às suas origens

“SEI QUE HÁ UM HOMEM FELIZ NO MUNDO, E dizem que é no Brasil.” É com essas palavras esperançosas e um português quebrado que o ator Dan Stulbach, no corpo do personagem Clausewitz, se expressa ao desembarcar no nosso país, logo nos primeiros minutos de Tempos de Paz, filme que estreia na Rede Telecine. O ator volta ao personagem depois de enfrentá-lo por temporadas a fio na montagem da premiada peça teatral Novas Diretrizes em Tempos de Paz, de Bosco Brasil (que estreou nos palcos pouco depois dos atentados de 11 de setembro de 2001).
Podemos dizer que a criação de Clausewitz, um imigrante polonês que tenta entrar no Brasil logo após o final da Segunda Guerra Mundial, tem muito a ver com o seu passado, pois o ator foi o primeiro filho de uma família de judeus poloneses a nascer no país. “O fato de minha família ser estrangeira cooperou na formatação do personagem. Juntei a memória afetiva do meu avô, os relatos que li, fotografias que vi, de imigração e de imigrantes, os tipos de olhares, tudo ajudou”, revela o ator.
Praticamente uma peça de teatro filmada, a produção dirigida por Daniel Filho tem o reforço de Tony Ramos no mesmo papel que interpretou na peça, do tenente e interrogador alfandegário da polícia Segismundo. “Tony e eu somos que nem um time de futebol. Quando os jogadores jogam juntos há tanto tempo e voltam a bater uma bolinha de novo, já rola um entendimento”, ressalta Stulbach. E complementa: “A gente fez muito tempo a peça juntos. Foram três anos de convivência. Mas o fato de nos encontrarmos depois de tanto tempo, mais preparados, e sabendo que provavelmente estaríamos interpretando esses personagens pela última vez, deu um caldo todo diferente.”
O paulistano ainda contou com uma ajudinha especial de sua mãe, Ewa Stulbach, uma arquiteta e pintora que nunca estudou teatro e que contracena com o filho em vários momentos. “Durante os ensaios, o Daniel comentou que precisava de um personagem que falasse polonês e que não estava encontrando a atriz. Daí falei: ‘Olha, conheço uma pessoa que fala a língua e tem o perfil do filme’. Fiz o convite, e, para minha surpresa, ela topou na hora”, conta.
“A história é bem parecida com a nossa experiência de vida, da nossa família. Quando estávamos filmando a cena no navio, minha mãe virou pra mim e falou: ‘Se fosse fazer um personagem da minha vida seria este, e neste lugar, pois foi isso que vivi’. Foi algo muito forte para nós.
”Assim como Clausewitz, um homem que foi desrespeitado e maltratado, Stulbach já sentiu algo parecido na vida real quando interpretou seu personagem mais popular, o perturbado e violento Marcos, que agredia sua ex-mulher na novela Mulheres Apaixonadas (2003). Na época, o ator chegou a ser hostilizado várias vezes em público pelas fiéis seguidoras que acompanhavam a trama. “As pessoas não me conheciam direito e tinham certo receio de que eu fosse mesmo aquele cara. Hoje em dia as pessoas apenas brincam, pois têm mais referências dos meus trabalhos, de outros personagens, inclusive de Clausewitz”, diz.
“Esse filme é o tipo de trabalho que quero ter como artista. Também é como uma garrafinha que foi jogada no oceano e que segue viagem com a história deste espetáculo.” Ou seja, com esta afirmação, se há mesmo um homem feliz no mundo, ou pelo menos no Brasil, ele pode muito bem se chamar Dan Stulbach.

DO PALCO PARA AS TELAS
O cinema brasileiro sempre encontrou inspiração no teatro

BEIJO NO ASFALTO - Foi um escândalo em 1960 a primeira montagem da peça de Nelson Rodrigues. Tarcísio Meira e Ney Latorraca dão o beijo no filme de 1980.

AUTO DA COMPADECIDA - Em 1955, Ariano Suassuna escreveu uma das peças mais populares do Brasil e que foi adaptada para TV e cinema com grande elenco em 2000.

TRAIR E COÇAR É SÓ COMEÇAR - Escrita por Marcos Caruso em 1986, é a peça que está há mais tempo em cartaz no mundo (24 anos) e ganhou os cinemas em 2006.

QUERÔ - A vida sofrida do garoto interpretado nas telas por Maxwell Nascimento em 2007 foi escrita por Plínio Marcos para a montagem do ano de 1976.

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