19 de agosto de 2011

Destino Brasil

Revista Monet 100 - Julho 2010

por Dafne SampaioItaici Brunetti Perez

ilustração André Felix



O sucesso de bilheteria da animação RIO mostra que Hollywood descobriu o país tropical. Além das locações bonitas por natureza, a indústria cinematográfica se interessa pelos nossos talentos


REPENTINAMENTE o gigante adormecido abriu os olhos, deu um bocejo e se espreguiçou, abalando meio mundo. Esta poderia ser a sinopse de uma animação milionária, épica e repleta de vozes estelares. Mas é apenas uma metáfora que fala muito de perto com o presente do país do futuro. Afinal, nunca o Brasil esteve tão em voga como cenário de produções hollywoodianas e seus profissionais tão requisitados lá fora. 
A relação não é tão nova e remonta à década de 1930, quando o ator brasileiro Raul Roulien chegou a ter um breve sucesso em Hollywood, mais ou menos na mesma época em que atuou em Voando Para o Rio (1933), o primeiro musical da dupla Ginger Rogers e Fred Astaire. Sem falar em Carmem Miranda, a primeira imagem brasileira exportada para o mundo. Na década seguinte, as visitas de Walt Disney e Orson Welles ao Brasil geraram a animação Alô, Amigos (1942) e o cultuado e inacabado documentário It’s All True (1942), respectivamente, enquanto Alfred Hitchcock levava Ingrid Bergman a contracenar com imagens projetadas de um paraíso tropical no thriller psicológico Interlúdio (1946).
Dessas primeiras impressões, algumas continuam vivas até hoje em como Hollywood vê (e quer) o Brasil: exotismo, alegria, Carnaval, exuberância, calor, cores, florestas, praias e, acima de tudo, o Rio de Janeiro, nosso denominador comum.
Mas a relação acabou esfriando e Hollywood só voltou a usar o Brasil como cenário importante em 007 Contra o Foguete da Morte (1979), com Roger Moore saindo na mão, no teto do bondinho do Pão de Açúcar, para depois fugir de lancha pela Amazônia. A partir daí, e com o fim definitivo da ditadura militar, entre outras incursões (confira mais no box abaixo), Richard Dreyfuss encarnou um ator que finge ser um ditador em Luar Sobre Parador (1988), e Sean Connery pesquisou a flora em O Curandeiro da Selva (1992). Fernando Serzedelo era jovem quando ajudou a encontrar locações para este último filme. De lá para cá, seu currículo de produções aumentou bastante, principalmente após ter fundado a Villa Filmes no Rio de Janeiro. “Fui produtor de O Incrível Hulk, da parte de 2012 que filmaram aqui no Brasil e agora do Velozes & Furiosos 5: Operação Rio”, afirmou em entrevista para a MONET. E foram estes filmes os responsáveis pela atual volta das boas relações entre o Brasil e Hollywood, após uma nova fase de vacas magras que trouxe bizarrices como Esporte Sangrento (1993), Anaconda (1997), A Garota do Rio (2001) e Turistas (2006). “Estive recentemente em Los Angeles e percebi que todo mundo simpatiza com qualquer projeto que tenha o Brasil ou o Rio de Janeiro envolvido. Até os atores e atrizes se interessam em filmar aqui.”
Dois diretores brasileiros colaboraram bastante para essa reviravolta dentro da indústria cinemato-gráfica americana. Os sucessos internacionais de Central do Brasil (1998) e Cidade de Deus (2002) fizeram com que os cineastas Walter Salles e Fernando Meirelles entrassem no rol dos estrangeiros queridos por Hollywood (e, após Tropa de Elite, o mesmo se deu com José Padilha). Os trabalhos desses cineastas acabaram ajudando também a jogar uma luz internacional no nome de profissionais como o editor Daniel Rezende (que recentemente esteve na equipe de A Árvore da Vida, de Terrence Malick, premiado com a Palma de Ouro em Cannes), o compositor Antônio Pinto e os atores Rodrigo Santoro e Alice Braga.
“É uma soma de fatores. O Brasil agora tem uma imagem de país mais socialmente justo, mais desenvolvido, então começamos a pipocar na indústria cinematográfica internacional, o que abriu os olhos de algumas pessoas para filmar aqui. Aliado a isso tem o fato da próxima Copa do Mundo e das Olimpíadas serem aqui no Rio de Janeiro. A gente sabe que não é bem assim, não é tão desenvolvido e nem socialmente mais justo, mas a verdade é que o país entrou no mapa mundial do cinema”, de acordo com Serzedelo. Tanto é verdade que, entre O Incrível Hulk (2008) e Velozes & Furiosos 5 (2011), nos quais ele trabalhou, o Brasil, mais precisamente o Rio de Janeiro, foi cenário das ações de Os Mercenários (2010), da animação Rio (2011) e de Crepúsculo: Amanhecer – Parte 1 (2011), com Kristen Stewart e Robert Pattinson festejando seu amor entre os cariocas.
O exotismo e a exuberância dos cenários continuam sendo os maiores atrativos para os americanos filmarem aqui, mas cada produção tem uma história diferente. “A ideia de rodar no Brasil já existia antes mesmo da minha escalação para interpretar Sandra”, afirmou, em entrevista à MONET, a atriz Giselle Itié, a única mulher no elenco anabolizado de Os Mercenários. “A diferença é que a verba do filme foi bem alta, se comparada com as produções que rodei no Brasil. Agora, sobre a consistência dos profissionais no cinema nacional... eles não deixam nada a desejar para os do cinema americano.”
O carioca Carlos Saldanha sabe disso, mas como vive nos Estados Unidos desde o início da década de 1990 e possui uma equipe experiente que assinou sucessos animados como os da franquia A Era do Gelo, acabou soltando um bando de americanos nerds na Cidade Maravilhosa durante a pré-produção do longa Rio. O deslumbramento desses profissionais com a cidade serviu como um espelho para as aventuras de Blu, a arara azul que, criada nos Estados Unidos, não sabe voar, mas se vê obrigada a voltar ao Brasil para salvar sua espécie. “Queria mostrar esse impacto que o Brasil dá quando você chega pela primeira vez, aquela coisa da cor, da música, da diversidade, da floresta, do mar. Essas misturas, os contrastes que tem o Brasil, que é uma coisa muito difícil de ver lá fora. Queria criar uma história em torno disso e mostrar o Brasil da perspectiva de um brasileiro, mas com um pouco do olhar estrangeiro”, explicou Saldanha em entrevista para o programa Fantástico.
Os próximos capítulos da saga Brasil-Hollywood já estão rascunhados: Rodrigo Santoro e Sophie Charlotte estarão em The Blind Bastard Club, a ser filmado no Rio com Mickey Rourke e Rosario Dawson; a ficção científica Elysium, do sul-africano Neil Blomkamp, trará os brasileiros Alice Braga, Sonia Braga e Wagner Moura ao lado de Matt Damon e Jodie Foster; Fernando Meirelles voltará a misturar paisagens e atores de vários países em 360; Walter Salles encarou o desafio de adaptar um dos maiores clássicos americanos, On the Road; Heitor Dhalia dirigirá Amanda Seyfried em Gone; e, para coroar a boa fase, um time internacional de diretores e atores assinará o filme em episódios Rio, Eu Te Amo. E alguns achavam que o Brasil estava na pior... 



O Rio continua sendo...
A Cidade Maravilhosa já serviu de cenário para muitos filmes estrangeiros, e a partir deles conseguimos entender como somos vistos lá fora. Alguns são ótimos, como Orfeu Negro, outros não servem como peso de papel – é o caso de Orquídea Selvagem. Separamos aqui estes e outros exemplos de filmes que tiveram o Rio de Janeiro como um personagem à parte. 

Orfeu Negro (1959) 
Tudo começou com a peça Orfeu da Conceição, criada por Tom Jobim e Vinicius de Moraes em 1956. Daí o francês Marcel Camus adaptou para o cinema, acrescentou músicas de Luiz Bonfá e faturou a Palma de Ouro em Cannes e um Oscar.

007 Contra o Foguete da Morte (1979) 
Não dá para pedir realismo em um filme no qual o agente interpretado por Roger Moore vai da Amazônia para as Cataratas do Iguaçu de lancha, e sem mencionar a briga com o vilão Jaws em cima do bondinho do Pão de Açúcar.

Feitiço do Rio (1984) 
Estrangeiros morando em São Paulo, Victor (Joseph Bologna) e Matthew (Michael Caine) vão com suas filhas adolescentes para o Rio de Janeiro, mas Matthew acaba se envolvendo com a filha do amigo. Pense em um climão...

Orquídea Selvagem (1990) 
Foi mais ou menos nessa época que Mickey Rourke começou a afundar a própria carreira e esse filme, repleto de clichês sensuais e tropicais, não ajudou muito, mesmo com a bela presença de Carré Otis, mulher de Rourke na época.

A Garota do Rio (2001) 
Três anos antes de encarnar o Dr. Gregory House, Hugh Laurie viveu um bancário londrino que, depois de ser traído pela esposa, rouba seu banco e foge para o Rio de Janeiro para encontrar suas paixões: o samba e a morena Orlinda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário